11 - Désper

Era uma vez no nordeste do Brasil, um homem de nome Désper. Todos perguntavam a ele que nome estranho ele possuía e que significaria. Ele sempre gostava de responder que significava Desper-tamento, ele era despertado para ganhar na corrida contra o tempo, viver a vida de forma a produzir coisas boas, aceitar com humildade os problemas. Era um bom homem de fato, este tal de Désper. O maior defeito dele é que ouvira falar em maconha e tinha vontade de experimentar.

Ele dizia que nunca teria coragem de ficar viciado, ele queria só experimentar. Seus colegas diziam para ele que deixasse desta besteira. E Désper tinha outro problema: quando chegava em um momento de fazer uma pequena coisa que fosse errada, ele sempre pensava: a carne é fraca, e fazia. Ele estava treinando sua vida de tal forma que não poderia ter domínio, no futuro, de seus desejos.

Mas ele tinha uma vida deveras atribulada, vivia matando-cachorro-a-grito, era pobre e sonhava em ser um grande músico, dono de uma banda que tocasse baião para o mundo todo. Desde moço aprendeu a tocar sanfona na casa do vizinho, compusera algumas músicas, mas a fome-canina que sentia no estômago era mais forte que a da alma.

Então resolveu mudar para Recife. Quando chegou, olhou, de noite, o rio Capibaribe, com as luzes por todos os lados, as pontes iluminadas, as estrelas contrabalançando toda a beleza e ficou estupefato; Désper chorou.

Mas a vida ainda continuava de mal a pior; conseguiu um emprego de cavar buraco, mas passou mal, pois estava muito fraco e foi logo despedido; um dia foi até acusado de roubar, mas isto ele não fazia não, poderia até dar nó em pingo d´agua, mas roubar não. Ele teve de sumir no mangue e ficou desaparecido por uns tempos.

Um dia, na beira da 232, andando a pé sem lenço nem documento, sem rumo nem prumo, depara-se com um acidente: um carro havia descido um despenhadeiro e Désper correu para ajudar. Ele tirou o senhor desmaiado do carro e o arrastou e depois o carro pegou fogo.

Este homem era muito rico e logo tratou de agradecer; Désper se tornou como um filho para ele. O homem logo ficou sabendo das pretensões musicais do afilhado e lhe comprou todos os instrumentos, um galpão para a sede da banda, contratou os melhores músicos que achou e Désper logo ficou famoso com seus baiões.

Mas, de vez em quando surgiam pequenos problemas. É que Désper não conseguia mais se dominar quando ficava com raiva: xingava todo mundo. Ou quando tinha de ir trabalhar num dia chato, ficava em casa, sem coragem de ir; outras vezes bebia antes do show.

No entanto Désper tinha tudo que um dia sonhara. Certa noite, após uma festa onde tocou e agradou, depois de todos saírem, Désper ficou lá numa mesa, sozinho, sentado, pensando em como tinha sido agraciado por Deus. De repente ele olha e vê um pacotinho caído num canto. Abre e tem alguns papelotes de maconha. Não resiste, agora teria de experimentar. Quando põe um na boca chega a polícia e o prende com a mão na massa, quer dizer, com a boca na massa. Seu padrinho fica triste, seus fãs ficam tristes, Désper fica triste.

O policial achou que o pacote era dele mesmo, mas alguém devia ter jogado para fugir. Foi acusado de tráfico e não teve jeito de se livrar da acusação. Acabou sendo condenado.

Lá na cadeia ele olha para sua vida e diz: “Agora sei meu nome, o que ele realmente significa: É Désper de Desperdício. Ai, ai, minha vida agora está desperdiçada só por causa de dois passos para pegar aquele cigarrinho e colocar na boca. Mas ele não dera somente dois passos, passara muito tempo treinando a não ter força de vontade, que é chamada também de domínio próprio e temperança.

Nós humanos agimos através de uma força que se chama vontade. Não somos como os irracionais que agem somente por instinto. Ao vermos um veneno sabemos que não podemos beber aquilo e então resolvemos não fazer isto. Mas quando a razão falha, por causa de desejos que temos, poderemos deixar a vontade seguir a voz do desejo e não da razão e aí é encrenca, na certa. Precisamos estar treinando a nossa vontade, enfrentando o que é tentador para nós e sabemos que não devemos. Este enfrentamento vai nos ajudar, nós vamos ficar treinados, para quando chegar um momento crítico como o de achar o pacotinho na festa, exista domínio em nós.

Assim um homem que teve tanta bênção jogou tudo fora num ato impensado em que não resistiu aos desejos de fazer algo errado.

“O avisado vê o mal e esconde-se; mas os simples passam e sofrem a pena.”[i]
[i] Provérbios 27:12

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